[Off Topic de Tinta] Minha Releitura de Hop-Frog

Releitura do conto de Edgar Allan Poe 'Hop-Frog'. Escrevi esse conto para o desafio #12mesesdepoe.  

Cara de Baba

Aos 9 anos de idade eu estudava em um caro colégio particular. A história que vou contar não é engraçada nem bonita. Ao longo dos anos alguns aspectos podem ter sido alterados por minha imaginação fértil de criança, mas vou contá-la tal qual a vejo em minha mente. 

Na turma de crianças de 12 anos havia um garoto que liderava as travessuras junto com seus amigos, como não me lembro nomes vou chamá-lo Rei. Eles adoravam infernizar a vida de outros alunos com brincadeiras que hoje vocês chamam de bullying. Naquele tempo eram apenas “brincadeiras de crianças”. Uma aluna em especial era uma das vítimas favoritas, vou chamá-la Maria. Com a mente de 12 anos presa em seu corpo 3 vezes mais velho, Maria não era bem quista entre os estudantes. Comunicativa e carente de amizade, ela tentava a todo custo se aproximar dos companheiros de classe. Os mais educados apenas sorriam e ignoravam, os outros a escorraçavam. O Rei é claro fazia questão de rir às suas custas. Um dia colocou laxante em seu suco, porém achando a piada deveras engraçada tanto o Rei quanto seus amigos gargalhavam antes mesmo que a pobre Maria pusesse a boca no copo. Prevendo um ataque, a menina jogou o conteúdo fora, gritou e esbravejou, mas foi apenas mais humilhada. 


Nesta mesma turma havia um garoto, João, que usava aparelho ortodôntico que impedia que sua boca se fechasse por muito tempo. Sendo assim o pobre garoto estava sempre com saliva escorrendo de sua boca. Desprovido de grande capacidade intelectual ele era um alvo perfeito para o Rei. Porém tão inocente era João que ria das piadas feitas consigo e o Rei quase o tinha em boa conta por isso. 
Um dia o Rei decidiu que a brincadeira suprema seria juntar João e Maria. Espalhou o boato de que João estaria apaixonado e queria a todo custo um beijo de Maria. Um dia em que os dois estavam a sós na sala de aula Maria foi lhe conceder o beijo. No momento em que as bocas se aproximava, o Rei invadiu a sala com seus amigos e forçou as cabeças a se aproximarem e completarem o beijo. Os amigos riram a valer gritando que Maria estava toda babada. Horrorizada a menina saiu correndo. Neste dia todos passaram a chamá-la de Cara de Baba. 

Uns dias depois era aula de ciências no laboratório. O professor dividiu a turma em grupos de 4, porém João e Maria ficaram sem grupos. O Rei chamou João para seu grupo e incitou seus outros amigos a chamarem Maria para seu lado. A experiência já marcada a algumas semanas era misturar essências e aromatizantes comestíveis e em seguida provar a mistura para avaliar o resultado. Cada grupo fez sua experiência. No grupo do Rei ele foi o primeiro a beber seguido dos amigos. Na vez de João o Rei derramou o conteúdo na bancada e acusou o menino da bagunça. O professor o pôs de castigo após a aula limpando todas as bancadas para que aprendesse a se concentrar nas atividades. Já o grupo de Maria fez a mistura mais estranha que conseguiram e queriam forçar a menina a beber. O professor vendo a discussão forçou os garotos a beberem primeiro, quando chegou na vez dela ainda assim se recusou e alegou preferir zerar a aula do que beber aquilo e jogou o conteúdo fora. 

Acabada a aula era hora do intervalo e foram todos para o pátio interno pois era um dia chuvoso. Chegando lá o Rei e seus amigos começaram a salivar muito e procuraram o banheiro para cuspir, porém este estava em manutenção, ao que parece algum aluno com diarreia não havia conseguido chegar ao reservado a tempo. Presos no meio do pátio entre todos os alunos eles começaram a cuspir no chão. Era tanta saliva que mais parecia que estavam vomitando. A confusão se formou no pátio apertado, alguns gritavam histéricos e os outros riam, mas todos tentavam fugir da poça que se formava. Eu presa na multidão observei Maria que havia subido na bancada da cantina e sorria um sorriso frio e calculista. Quando os professores chegaram os garotos já estavam de joelhos, fracos e desesperados. Ouviu-se alguém gritando 'Cara de Baba' e logo todos os estudantes estavam gritando em coro 'Cara de Baba', como se estivessem em transe. Nesse momento o primeiro garoto desmaiou gorgolejando um som terrível de afogamento. Os outros como se estivessem esperando algum tipo de deixa o seguiram. Os professores se olhavam em pânico ao ver os alunos se afogando na própria saliva. Todos estavam mortos antes mesmo que uma ambulância pudesse ter sido chamada. Na confusão que se seguiu ninguém encontrou Maria. João que estaria no laboratório também nunca mais foi visto. Como nenhum outro aluno apresentou qualquer sintoma o professor do laboratório não foi considerado culpado. Mas todos os alunos sabiam quem era o responsável. E surgiu o boato de que um anjo bom havia ido à escola e levado de volta ao inferno seu Rei Demônio junto com seus 7 ministros.